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  • Foto do escritorPET Letras UFAL

Relato de despedida da petiana Natália Souza

Atualizado: 26 de out. de 2020


"Saudades de todos, sei que o grupo se renovou, bem-vindos os que chegaram. Neste dia, venho fazer minha despedida do PET com gostinho de saudade, saudades das pessoas, dos momentos, de nossa sala de permanência, quantos momentos partilhados, muitos bons, outros nem tantos, mas todos me fizeram crescer como pessoa.


Venho de uma família de agricultores que, por toda vida, lutam para dar um futuro melhor para suas filhas, tenho três irmãs, são elas: Marileide, Sheila e Tamires. Meus pais não sabem ler, com efeito não sabem escrever, mas, desde que era criança, falam da importância da educação. Lembro-me do meu primeiro caderno como se fosse hoje, tinha também um lápis com borracha, só isso. O que me encantava era que meus pais tinham tanto cuidado com aquele material, eu nem podia pegar, só era permitido no dia de ir para escola. Sonhava em começar escrever nele, para mim era uma realização, mas não podia fazer isso, se não levava bronca.


O caderno, meus amigos, ficava guardado no guarda-roupa, como se ali ele estivesse protegido, mas sempre fui teimosa, tentava pegar o caderno, como ainda eu era pequena, tinha que pegar uma cadeira para conseguir chegar até o caderno, era um esforço que fazia, mas valia a pena, 'tudo vale a pena se alma não é pequena', nos lembra Fernando Pessoa, meu querido Fernando. Aquele esforço valia muito a pena. Palavras não serão suficientes para expressar meus sentimentos daquela época, por isso dispensarei explicações.


Atualmente, isso me faz lembrar uma das obras do querido João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina, por querer de Deus, fiz a mediação dessa obra no clube de leitura com a Thalyta. Como foi bom! Na obra, o autor diz: 'É tão belo como um caderno novo quando a gente o principia' para mim, sempre é uma alegria principiar um caderno, novas coisas serão escritas, um novo mundo, novas histórias e tantas outras coisas que não encontro palavras para descrever neste momento, talvez, porque nunca fui boa de demostrar meus sentimentos. Sempre prefiro guardar para mim, no momento, tenho repensado tanto sobre isso.


Quantas alegrias passei no PET Letras Ufal! Como é bom ser petiana, como é bom continuar sendo petiana, mesmo que com o adjetivo egressa, ainda há uma alegria no coração. As memórias ficam eternizadas! Nunca esquecerei de vocês, de verdade.


Muitas vezes, chegava no PET, em um dia antes da reunião, e pensava: 'Queria tanto dormir na sala do PET, só para não ter que acordar amanhã tão cedo para voltar a Maceió.', como é sabido por muitos, sou do interior de São José da Laje, moro em um sítio, cujo nome é Pau D’ Arco, poucas pessoas perguntam o nome do meu sítio, acredito que por acharem que moro em uma pequena cidade, mas não, não moro. Moro em um humilde sítio, onde, todos os dias, vejo os passarinhos que estão livres, para contemplá-los não preciso que estejam presos. É tão bom perceber que eles estão livres, sinto-me assim. Guimarães Rosa diz que 'Amar é se abraçar com um pássaro que voa.' Como eu amo os pássaros!


Na educação básica, passei tantas dificuldades, todas me fortaleceram, se não fosse elas, talvez, não estivesse perto de me formar. Caros amigos, para estudar, tinha que, todos os dias, fazer um percurso de 30 minutos. Após isso, chegava na pista e tinha que ficar esperando o ônibus escolar, como sofria com aquela espera. Havia dias que o ônibus não vinha, uma tristeza ficava em meu coração. Não podia ir caminhando, pois a cidade fica longe de onde moro. Voltava para casa, mas algo estava faltando, na verdade, faltava um dia de estudo! perdi os conhecimentos que poderia adquirir, para mim, um dia, por menor que pareça, é importante, naquele dia perdi conhecimento, na sociedade em que vivemos perder conhecimento é péssimo! Não podemos nos permitir fazer isso, nunca poderemos. Mas, naquele dia, fui impedida de conhecer. Isso se deve também as minhas condições sociais, não tinha dinheiro para ir para escola.


Outra situação difícil, e de muita mudança, foi quando terminei a educação básica, meus professores, sempre, incentivavam a continuar os estudos, mas minha realidade é dura, é sofrida, como diz Ferreira Gullar 'da humana arquitetura', mas sempre penso: 'Cristão não desiste fácil.' Não poderia me permitir desistir. E não fiz, graças a Deus.


Fiz o ENEM, passei em Letras Português, que alegria! Mas ao dizer os meus familiares, recebi a seguinte resposta: 'Natália, como você vai estudar em Maceió, não temos condições!', lembro que cheguei a brigar com meu pai, mas disse: 'tudo vai dar certo, vamos ter calma'. Ele queria muito meu sucesso, mas as condições, por vezes, não queriam permitir. Por querer de Deus, uma professora me chamou para morar com ela. Que felicidade! Uma pessoa que tinha sido apenas minha professora teve compaixão de mim e me acolheu. Amo tanto ela, para mim, ela é minha irmã de coração. Naquele momento, minha família cresceu, passei a ter mais cinco irmãs e um irmão de coração, e sem contar que a mãe dela me acolheu como filha. Devo muito da minha formação a ela. Foi uma das primeiras pessoas que acreditou em mim.


Essa minha professora mora em São José da Laje, como foi difícil sair de casa e morar na casa dela. Meus amigos, sou muito tímida, como vocês sabem. Mas sempre gostei muito de estudar, não deixei a timidez tomar conta de mim. Lembro-me que, antes do dia em que sai de casa, minha mãe disse: 'Natália, eu queria que você saísse de casa casada, não dessa forma.' Eu queria sair de casa para conhecer, para viver outras experiências! mas minha mãe me queria por perto, mas nunca teria crescido se não fosse as dificuldades que encontrei na vida. Como é difícil tomar decisões quando não temos mãe e pai por perto. Havia finais de semana que só chegava em casa para chorar, na verdade, chorar a saudade, chorar o carinho que não tinha durante a semana. Todo início de semana era uma partida, mas sabia que era necessário. Com o tempo, aprendi a me abrir com minhas irmãs de coração. Como foi bom, nós, seremos humanos, temos sentimentos, nem todos os dias estamos bem.


Com minha entrada na Universidade várias portas foram abertas, fui a primeira da família a entrar na graduação, isso foi motivação para minhas irmãs também entrarem no ensino superior. Hoje, a Sheila faz Química, na Universidade Federal de Alagoas; Marileide faz Ciências Biológicas, no Instituto Federal de Alagoas. Lembro-me como a Universidade chegou em minha casa, os assuntos passaram a ser sobre a 'Ufal', uma 'Ufal' que passou a ter um sentido tão grande em minha vida. Na sala de jantar, a mesa ficou dividida com os meus livros e o lugar para as refeições.


Participar do Programa de Educação Tutorial foi um divisor de águas para minha formação. Não foi fácil estar no PET, mas o PET soube me acolher, soube cuidar de mim, soube ser meu pai e minha mãe, que, por vezes, não podiam estar presentes. Como a sala de permanência, muitas vezes, era o meu descanso, meu porto seguro, um lugar de encontro e de partilha. Perdão por todos os erros cometidos, sou humana, erro mesmo, sou limitada, não sei de tudo, preciso de ajuda, não tenho letramento para tantas coisas. Na verdade, até hoje não tenho letramento para andar de ônibus em Maceió.


Não poderia deixar de falar do Paespe, como foi bom ser professora no programa, ali foi onde escutei pela primeira vez o vocativo: 'professora', por vezes, nem acreditava que era comigo, mas estava me constituindo como professora. Como errei sendo professora no Paespe, mas como aprendi ser professora no Paespe. Obrigada pela oportunidade, PET Letras! Fez tanta diferença em minha vida participar desse programa. Confesso que, muitas vezes, chegava cansada nas aulas, mas saia renovada pela sede de conhecimento daqueles alunos, eu me enxergava neles. Sofria as incompreensões deles, ensinar gramática não é fácil, não é fácil buscar metodologias, assim como sofro as minhas incompreensões gramaticais, sofro as dificuldades dos meus alunos, no final, acabo aprendendo com eles.


Professora Fabiana, obrigada pelo acolhimento! Tenho um carinho enorme pela senhora, já disse antes, só não sei demonstrar. Como a senhora contribuiu com minha formação! Continue sendo essa pessoa que sabe ouvir, é tão importante encontrar pessoas assim, graças a senhora e a minha orientadora, Professora Lúcia de Fátima, tenho aprendido a quebrar o meu silêncio. Precisamos de um mundo de mais diálogo, de mais compressão, precisamos de um mundo melhor, porém, também, precisamos construir esse mundo melhor. Isso só é possível com nossas atitudes de todos os dias.


Para todos do grupo: continuem sendo luz, brilhem muito, vocês são especiais, aprendam com as dificuldades, sejam humildes! Não tenho vergonha de demonstrar minha própria ignorância, tenho vergonha de mostrar que sei de tudo, porque isso é uma mentira! Ser professora, para mim, é um desafio, tenho que me renovar todos os dias, tenho que reconhecer meus próprios erros e, neles, tentar melhorar. Preciso melhorar porque pessoas precisam de uma Natália melhor, uma Natália que sofra as ignorâncias do aluno, que sofra com paciência porque ela conhece as suas próprias ignorâncias, conhece que tem suas dificuldades, mas, com certeza, todos os dias, procura mudar.


A mudança, meus amigos, por vezes, é dolorosa, quantas lágrimas derramei, mas ela é necessária. Para mim, ela sempre é necessária. Minha eterna gratidão, PET Letras! Por fim, há uma crônica que gosto muito da Marina Colasanti, cujo título é 'Eu sei, mas não devia', ela reflete a minha insatisfação em não continuar a mesma. O final da crônica diz o seguinte: 'A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.'. Na minha formação, eu aprendi a não me acostumar, como foi importante aprender isso! Novamente, muito, muito, muito obrigada!


Muitos preferem falar seus sentimentos sem o auxílio de um texto, me desculpem por não conseguir fazer isso, mas escrevi este texto com todo o carinho, depositei, nele, todos os meus humildes sentimentos. Tenho eterna gratidão por todos do grupo. Me perdoem se machuquei alguém, não foi por mal, de verdade."


- Natália Oliveira de Souza

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